
Eduardo Vasco
As instituições judiciais independentes de qualquer controle popular, para se apossar do controle do Estado, não pouparam nem a constituição elaborada pelos filhotes da ditadura.
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Está amplamente documentado como o imperialismo centralizou ainda mais o aparato do Estado americano a partir do início deste século. Foi uma resposta da principal potência imperialista do mundo à crise capitalista que viria a se materializar em 2008-2009, mas que já apresentava seus primeiros sintomas, como a crise das bolsas asiáticas e as próprias invasões ao Iraque e ao Afeganistão.
O governo Bush Jr. estabeleceu uma série de adequações do Estado ao novo período e o poder se centralizou de forma nunca antes vista nas mãos do aparato repressivo, com os órgãos policiais à cabeça. A Lei Patriótica expressou essa centralização e fechamento do regime. O Estado passou por cima das leis existentes para espionar os cidadãos sem ordem judicial, criou-se um departamento do Interior mais poderoso que os órgãos anteriores empregando centenas de milhares de funcionários e foi realizado um investimento multibilionário para elevar o nível do controle do Estado sobre a população norte-americana.
Mais do que isso: esse aparato se estendeu para todo o globo, a fim de derrotar pela força a concorrência com os monopólios americanos, seja aplicando aos outros as leis dos Estados Unidos, seja pela cooptação do aparato judicial-policial de outras nações, assegurando a derrubada de governos e a destruição de empresas para espoliar a economia de países inteiros.
A luta contra a corrupção não foi menos que um mecanismo para espoliar países inteiros, quebrando a concorrência para salvar os capitalistas da crise. E ela foi além: trata-se também de uma das formas pelas quais a burguesia imperialista fecha o regime político, acaba com garantias e direitos democráticos dos cidadãos e dos próprios representantes do povo, elevando ao mesmo tempo o poder da burocracia mais essencial do Estado, o seu aparato coercitivo, judicial-policial.
Todo o investimento feito pelo imperialismo americano nesse aparelho estatal, em nações pelo mundo inteiro, significa que a burocracia judicial-policial se tornou o principal instrumento do imperialismo para a dominação interna nos países oprimidos por ele.
Como medidas concretas para fortalecer esse aparato repressivo nos países oprimidos, as agências do Estado americano (como o Escritório de Assuntos Internacionais de Entorpecentes e Aplicação da Lei ou a USAID) estipularam o princípio do "judiciário independente" como mote dos programas de cooptação de funcionários do sistema judicial.
Em 2004, o Conselho das Américas produziu um relatório a pedido do governo americano em que recomendava a promoção de reformas judiciais nos países latino-americanos, incluindo o reforço do "Estado de Direito", a independência do judiciário e das polícias e a elevação dos salários, privilégios e do padrão de vida dos funcionários como "condição necessária para um sistema judicial independente, eficaz e consistente". Passados quinze anos, o Congressional Research Service afirmava que os mecanismos judiciais eram uma chave para conter "líderes anti-establishment" e "governos populistas de esquerda e direita" na América Latina.
Assim, o imperialismo, tanto através do governo dos Estados Unidos quanto de organizações oficialmente não-governamentais, promoveu "parcerias" com a burocracia estatal brasileira (e de outros países), treinando os funcionários judiciais e policiais na repressão interna.
Para agradar a burguesia, pressionado pela campanha reacionária contra a corrupção, o PT sempre se gabou de ter dado maior independência e liberdade para o judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal. Como se fosse uma virtude, e não um grave equívoco que permitiu ao Estado estabelecer um conjunto de medidas absolutamente autoritárias. A independência da burocracia estatal é a liberdade dela para oprimir o povo. Nenhum desses órgãos tem legitimidade popular, nenhum deles é eletivo e muito menos controlado pelos cidadãos. Essa independência significa um distanciamento e superioridade ainda maiores com relação ao povo, o avesso de qualquer regime democrático.
Já em 2004, Sergio Moro esfregava as mãos, sabendo das possibilidades que oferece um regime antidemocrático como o brasileiro para a concentração dos poderes pelo aparato repressivo do Estado: "os juízes e os procuradores da República ingressam na carreira mediante concurso público, são vitalícios e não podem ser removidos do cargo contra a sua vontade." Esses homens não eleitos, não revogáveis e vitalícios são a personificação do parasitismo estatal e, como a história recente do Brasil comprova definitivamente, são os agentes fundamentais da edificação de um Estado absolutamente descontrolado que estabelece uma ditadura contra o povo.
O conluio dos funcionários da burguesia da nação oprimida com o imperialismo e sua própria burocracia torna-se evidente. Os funcionários são treinados e orientados pela embaixada americana, o Departamento de Estado, de Justiça, do Tesouro, pelo FBI, CIA e DEA, pela USAID, NED e Open Society, pela ONU, OCDE e OEA ou pelo FMI e o Banco Mundial. Funcionários que, por serem parte de uma aristocracia burocrática como é o judiciário, oriundos diretamente da burguesia e do latifúndio, da oligarquia mais retrógrada que se pode imaginar, são justamente os mais compatíveis e aptos para a cooptação pelo imperialismo e para a repressão ditatorial.
O imperialismo precisava apertar o cinto contra o povo brasileiro, mas também controlar o próprio governo do PT, que, apesar de todos os acenos, nunca poderia aplicar integralmente a política exigida pelos monopólios capitalistas. Daí as pressões sobre o PT, que, disposto a governar para a burguesia pensando em obter em troca melhorias sociais para o povo pobre, entregou os anéis, os dedos, a mão e o braço aos saqueadores. São objetivos louváveis e ninguém com um pingo de humanidade pode desprezá-los. Mas o PT, quando esteve no governo, nunca foi capaz de forçar a burguesia a fazer grandes concessões.
O PT chama o incentivo à independência do judiciário de "republicanismo" sem se atentar que a elevação desse setor da burocracia estatal a árbitro inconteste dos poderes da república é justamente o seu contrário, é o enterro da república e a gestação da ditadura. As instituições judiciais independentes de qualquer controle popular, para se apossar do controle do Estado, não pouparam nem a constituição elaborada pelos filhotes da ditadura.
Elas têm enterrado preceitos democráticos básicos e edificado um novo "ordenamento jurídico" orientado pelo Estado americano e sustentado na interpretação da lei ao bel-prazer dos todo-poderosos juízes, que condenam cidadãos sem provas.
Tamanha subversão das liberdades e direitos democráticos tem sido vendida como justiça finalmente sendo feita contra os poderosos. Claro, apenas contra os poderosos eleitos. Eleitos por um sistema eleitoral que, ele também, tornou-se cada vez mais antidemocrático. Mas, de qualquer forma, eleitos. Contra os empresários, mas os empresários que competem com a grande burguesia imperialista. Portanto, contra poderosos não tão poderosos - e cada vez menos poderosos - quanto aqueles que estão aplicando essa justiça.
São os monopólios limpando o terreno para que não reste nenhuma concorrência, nem econômica nem política. E, como os próprios organismos imperialistas reconhecem, no âmbito político essa concorrência não reside apenas no "campo" da esquerda, mas também da direita, de setores do centrão e do "populismo" - aqueles com vínculos com as massas ou com a burguesia nacional também precisam ser rifados.
A fé supersticiosa no Estado pela esquerda brasileira deveria ter se dissipado com a farsa do julgamento do Mensalão, a Operação Lava Jato e o golpe de Estado. Todo esse período de crises políticas não é uma revanche das "elites" contra um processo de abertura democrática e consolidação da democracia, como reverbera a esquerda pequeno-burguesa. Ele é, isso sim, resultado natural do gradual aumento do poder do Estado sobre o povo para atender às necessidades dos monopólios imperialistas, um reflexo da decomposição do modo de produção capitalista.
Mas o que Joaquim Barbosa e Sergio Moro foram para a direita golpista e bolsonarista, Alexandre de Moraes é hoje para a esquerda "progressista" e mesmo "marxista". Em todos esses casos, fica-se a reboque da burguesia imperialista. Esse aparato coercitivo do Estado, isto é, o Estado nu e cru, ergue-se e se fortalece, estabelece o protótipo de um regime bonapartista. Assim como Luís Bonaparte, a burocracia judicial não atua apenas como árbitra para mediar os conflitos sociais em época de polarização, mas também manipula os diferentes partidos em conflito. Ora beneficia a extrema-direita, como fez com a prisão de Lula, prejudicando a esquerda; ora beneficia a esquerda, soltando Lula e condenando Bolsonaro, prejudicando a extrema-direita. Ora manipula a base bolsonarista para derrubar o PT do governo, ora manipula a burocracia sindical e a pequena burguesia "progressista" para perseguir a extrema-direita.
O mesmo aparato judicial-policial herdado da ditadura militar, turbinado pelo imperialismo e demolidor da ordem constitucional estaria sendo o grande protetor da democracia contra o avanço autoritário do bolsonarismo. Chafurdada até o pescoço na areia movediça do pântano que é o regime político da burguesia, a esquerda acredita que o retorno de Lula ao governo restaurou a democracia. O golpe de 2016 rompeu o pacto entre o imperialismo, a burguesia nacional e a burocracia operária, devastou a economia, entregou empresas e recursos brasileiros aos monopólios imperialistas, elevou o nível de concentração econômica nas mãos da burguesia imperialista. Isso deveria gerar, necessariamente, o aumento da concentração de poderes do Estado para assegurar essa espoliação. Essa concentração não apenas se manteve como se aprofunda, uma vez que as reformas econômicas neoliberais não foram revertidas. Mas a luta entre as classes e camadas sociais não arrefeceu. As contradições, sobretudo com o capital imperialista que golpeou a burguesia nacional e a classe operária, aumentam.
O 8 de janeiro foi a farsa montada com perfeição pela burguesia para controlar o governo Lula, eleito pelos operários em um movimento que acendeu o alerta para o imperialismo. O terceiro governo Lula não poderia sair das rédeas, e Lula e o PT caíram como patinhos na armadilha. A burguesia matou dois coelhos com uma cajadada só: também foi o pretexto ideal para rifar Bolsonaro da jogada, abrindo assim o caminho para um governo próprio, sem Bolsonaro e sem Lula. Acima de tudo, o combate ao golpismo bolsonarista, tal como o combate à corrupção petista, é um meio pelo qual a burguesia imperialista vai fechando o regime político, retirando direitos democráticos em nome da democracia.
Assim, o aparelho coercitivo estatal, que se impõe sobre a sociedade inteira, não foi tocado com a volta do PT ao governo. Pelo contrário, ele continua a se erguer a cada dia diante dos nossos olhos. As ilegalidades que foram cometidas e resultaram na eleição de Bolsonaro se estenderam e ampliaram para perseguir o próprio Bolsonaro. Como celebrou um artigo de setembro de 2025 na Foreign Affairs: "a condenação resultou do trabalho de instituições que os Estados Unidos fomentaram por décadas, pressionando por reformas para fortalecer a independência do judiciário brasileiro. Em suma, o julgamento de Bolsonaro foi um triunfo da promoção da democracia pelos EUA."