Eduardo Vasco
Como não se emocionar ao lembrar-se que, neste país, 27 milhões de vidas foram sacrificadas por causa da invasão nazista?
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Estive em Volgogrado em de 21 de abril de 2022. Não havia nenhuma movimentação nas ruas e já era hora de todos estarem apressados para ir ao trabalho. Após dar uma volta pelo Rio Volga, atravessei a cidade, passando por uma estátua de Lênin no centro, e cheguei à colina onde foi construído o mais belo templo dedicado ao heroísmo e à exaltação da vida em todo o mundo: Mamaev Kurgan.
Fiz o percurso inverso ao tradicional e comecei pelo final, o topo da colina. É quase surreal aquilo que está diante dos meus olhos, um colosso de 85 metros de altura, que foi a estátua mais alta do mundo durante quase um quarto de século. Mãe Pátria, ou A Pátria te Chama, é uma representação de Niké, a deusa grega da Vitória, que pode ser vista praticamente de todos os pontos de Volgogrado. A cidade entrou para a história quando ainda era batizada de outro nome e, no auge da Grande Guerra Patriótica, foi palco da batalha mais sangrenta e épica de toda a história: a Batalha de Stalingrado. De julho de 1942 a 2 de fevereiro de 1943, quando foi libertada, cenas épicas ocorreram em Stalingrado, particularmente a partir de novembro, quando se deu a contra-ofensiva do Exército Vermelho. Em meio aos escombros, os soldados soviéticos que já não tinham mais seus fuzis utilizavam facas ou mesmo seus próprios punhos para golpear os alemães. Uma selvageria heróica que confere àqueles homens o status de mártires, de semideuses. De filhos de Niké. Filhos da Vitória.
É possível notar a nossa insignificância como indivíduos antes mesmo de chegar aos pés da estátua. Parece a própria Deusa, em sua magnanimidade, inspirada pelos mártires que aqui deram suas vidas pela pátria. Não! Pela humanidade!
Sua espada, erguida como se tocasse os céus, ligando aqueles homens aos deuses, mede 33 metros. É segurada pelo braço direito, enquanto o esquerdo se estica para o outro lado, para onde também se vira o rosto da Deusa, da Mãe, da Pátria, bravo, destemido, convocando seus filhos para o martírio, como Deus convocou Cristo para redimir toda a humanidade de seus pecados. O vento cola sua túnica ao corpo. Descalça, com o pé esquerdo à frente do direito, lidera a marcha para libertar seu povo da barbárie nazista. Emília! A maior maravilha que já esteve diante dos meus olhos e que minhas mãos jamais puderam tocar.
De seus pés, é possível ver toda a cidade, o Volga defronte. Desço a colina e ao longo do caminho vejo as lápides de muitos heróis daquela guerra sobre o gramado. São 35.000 soldados não-identificados cujos corpos descansam nesta colina sagrada. Uma escultura de uns dez metros de altura encerra essa etapa do complexo. É uma mãe segurando o corpo de seu filho nos braços ─ tal como Maria com Jesus após a Paixão ─, cuja vida ofereceu à pátria pela libertação de Stalingrado. Entramos na enorme sala onde se localiza a Chama Eterna ao Soldado Desconhecido, uma pira de cerca de oito metros segurada por uma mão, no centro da cúpula, guardada por soldados completamente imóveis. O piso é de mármore e as paredes, bronzeadas, estão cobertas com tapetes onde estão inscritos os nomes de cada um dos um milhão de soldados e oficiais que tombaram na defesa da cidade. No teto da cúpula, medalhas de condecoração dos heróis e uma fita de São Jorge ao redor. Vamos descendo a rampa, contornando a cúpula por dentro. Ao fundo, um cântico sereno e ao estilo religioso comprova aos visitantes que encontram-se em um verdadeiro local sagrado, mais sagrado que qualquer templo.
Como não se emocionar ao lembrar-se que, neste país, 27 milhões de vidas foram sacrificadas por causa da invasão nazista? Crianças, mulheres, idosos, famílias inteiras. Confesso que chorei. A eliminação de gerações. Um genocídio que transforma o Holocausto em uma brincadeira de criança. Mas por que não se fala desse genocídio? Ora, porque, enquanto o Holocausto serve como cortina de fumaça para encobrir o fato de que a II Guerra foi uma guerra interimperialista e que, portanto, EUA e Grã-Bretanha também são criminosos, bem como os crimes do Estado de Israel, por outro lado a Rússia é o país do comunismo e o imperialismo nunca poderia apontar os comunistas como vítimas, ainda mais como suas vítimas. Mais do que isso: a Rússia sempre foi um alvo a ser conquistado e para isso não pode ser retratada como vítima, mas sim como agressor, sempre que possível. Aquilo foi um sofrimento inimaginável e uma história de superação verdadeiramente lendária. Não tenho a menor dúvida: se existe um povo no mundo que quer a paz, este é o russo. Povo maltratado e castigado por não aceitar se submeter aos piores delinquentes que já existiram. Todos os russos guardam até hoje as feridas em seu coração daquele grande trauma.
Saio purificado da cúpula e vejo logo abaixo dela, a alguns degraus, a Praça dos Heróis, onde existem seis estátuas retratando os diferentes grupos de homens que lutaram naquela guerra. Os degraus que se seguem são protegidos por paredes dos dois lados que são, na verdade, um mosaico esculpido nos restos de construções bombardeadas pelos alemães: soldados lançando granadas, segurando bandeiras e espadas, marchando com seus fuzis. Ao final, a estátua de um soldado com o tronco nu, bravo como a Pátria, mirando o horizonte com um fuzil em uma mão e uma granada em outra, pronto para dar sua vida naquela batalha. Nos últimos degraus do complexo (na verdade, os primeiros, lá embaixo), a inscrição за нашу советскую родину! СССР! (À nossa pátria soviética! URSS!) e depois mais algumas figuras e as placas em homenagem a cada cidade-herói da União Soviética. São 200 degraus ao todo, que representam os 200 dias da Batalha de Stalingrado.