19/08/2025 strategic-culture.su  9min 🇸🇹 #287772

Aviação civil e finanças: como a Onu buscou isolar a Coreia do mundo

Eduardo Vasco

A aviação civil e as finanças são setores sobre os quais o Painel de Especialistas apresentou argumentos e informações muito frágeis para justificar sua inclusão na lista de sanções.

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Ban Ki-moon estendeu o mandato do Painel de Especialistas do Conselho de Segurança da ONU sobre a República Popular Democrática da Coreia, em 28 de março de 2013, até 7 de abril de 2014, substituindo Xiaodong Xue por Chang Guo, Duk Ho Moon por Lee Jang-keun e John Everard por Martin Uden (coordenador) [1]. Mais uma vez, o representante sul-coreano no Painel de Especialistas para monitorar a aplicação das sanções era um diplomata de carreira, tendo servido no Ministério do Exterior desde 1991 [2]. O mesmo vale para Martin Uden, o representante britânico, que chegou a ocupar o posto de embaixador do seu país em Seul entre 2008 e 2011 [3]. Este é o terceiro artigo da série sobre como esse organismo dentro das Nações Unidas foi, desde o começo, uma ferramenta política do imperialismo para prejudicar a RPDC. O primeiro artigo pode ser  lido aqui e o segundo pode ser acessado  por aqui.

Em 11 de junho de 2013, os membros do Painel publicaram seu relatório [4]. Ele veio à luz no mesmo ano em que o Conselho de Segurança das Nações Unidas emitiu as resoluções 2087 e 2094, em resposta aos testes balísticos e nucleares da RPDC, e que elevaram o nível das sanções, que ampliaram o bloqueio financeiro, a permissão de confisco de navios e a proibição de voos de e para a RPDC. O novo relatório pedia também uma maior vigilância sobre os diplomatas e empresários coreanos que estivessem em outros países. Os especialistas mantiveram a ressalva do relatório anterior sobre a possibilidade de as sanções afetarem a população civil como sendo pequena, embora não tenham, como no ano anterior, consultado o governo coreano sobre essa questão. Na prática, lavavam as mãos: o importante era quebrar o país, não importa que isso prejudicasse a população. Continuaram a receber informações das embaixadas estrangeiras na RPDC sobre dificuldades enfrentadas no suprimento de bens e serviços do exterior devido às sanções da ONU. E, como anteriormente, disseram apenas que iriam analisar esses casos. Mais uma vez, os países mais visitados pelos especialistas foram Coreia do Sul e Estados Unidos.

Ban Ki-moon apontou um oitavo membro do Painel de Especialistas, dez dias após a publicação daquele relatório, ao mesmo tempo em que renovou o mandato do Painel até 7 de abril de 2014 [5]. O oitavo membro seria o capitão da marinha sul-africana Neil Watts, especialista em transporte marítimo - o primeiro membro a não pertencer a um país membro permanente do Conselho de Segurança que não fosse Japão ou Coreia do Sul. Embora também fosse um dos raríssimos especialistas de verdade na história desse painel, seu treinamento nas forças armadas dos EUA [6] e seu trabalho junto ao King's College de Londres e, principalmente, à Korea Society [7] de Nova Iorque, não permitem considerá-lo uma pessoa neutra para lidar com a questão coreana.

O comitê do Conselho de Segurança para a aplicação das sanções à RPDC disse, em um documento divulgado em 7 de fevereiro de 2014 [8], que

O Comitê reitera que as sanções não têm a intenção de afetar atividades econômicas não relacionadas aos programas ou atividades ilícitas da RPDC, o fornecimento, a venda ou a transferência de todos os itens não relacionados aos programas ou atividades ilícitas da RPDC, as trocas normais e não proibidas de outros países com a RPDC, incluindo quaisquer atividades de missões diplomáticas de acordo com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e atividades da ONU e de agências humanitárias na RPDC de acordo com seu mandato, ou impor um impacto humanitário negativo à RPDC ou a qualquer país.

Mas o relatório de 6 de março de 2014 desmentia essas palavras. Após analisar as características dos aviões da Air Koryo, a companhia aérea da RPDC, os especialistas concluíram que não havia nenhuma diferença entre a aviação civil e a força aérea norte-coreana. Logo,

O Painel considera que os Estados Membros devem estar conscientes que prover transações financeiras, treinamento técnico, consultoria, serviços ou assistência relacionados com o fornecimento, manutenção ou uso de aviões da Air Koryo pode constituir uma violação do embargo de todas as armas e materiais relacionados conforme definido pelo parágrafo 9 da resolução 1874 (2009). [9]

Até pouco depois do desaparecimento da União Soviética e dos regimes aliados do leste europeu, a Air Koryo tinha voos para Bulgária, Alemanha, diferentes destinos na Rússia, diferentes destinos na China, Macau e Tailândia. Como parte do isolamento imposto após a dissolução do Bloco do Leste, as operações para a Europa foram encerradas (com exceção da Rússia). Entre o final da década de 2000 e o início da década de 2010, ela operava na Rússia, China, Tailândia, Malásia e Kuwait. Porém, devido precisamente às sanções da ONU (em especial as de 2016), os voos para a Tailândia, Malásia e Kuwait também foram encerrados. Ademais, diversas reportagens extremamente tendenciosas na imprensa ocidental acusam a Air Koryo de ser "a pior companhia aérea do mundo" [10] com o exclusivo objetivo propagandístico, pois ignoram as rigorosas limitações para que ela opere seus voos e renove ou faça a manutenção de sua frota - composta ainda de aeronaves soviéticas [11].

Outra área econômica que sempre foi afetada pelas sanções, embora não seja necessariamente ligada a atividades supostamente ilícitas, são as finanças. O relatório destaca que a Força Tarefa de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro, uma organização internacional do Ocidente parceira do FMI e do Banco Mundial e que baniu a Rússia por motivos políticos em 2023, estava "preocupada com o risco de lavagem de dinheiro apresentado pela República Popular Democrática da Coreia, que ainda tem que adotar e reforçar regulações bancárias apropriadas". A FATF (na sigla em inglês) pediu aos países membros, no final de 2013, que adotassem contramedidas em negociações financeiras com a RPDC. O relatório aponta que

Os bancos são, portanto, obrigados a realizar a devida diligência aprimorada ao lidar com transações de cidadãos e empresas da República Popular Democrática da Coreia, e são instados a considerar o risco de reputação. Muitos bancos decidiram evitar esse negócio, tendo ponderado o custo e os ganhos esperados.

A RPDC demonstrou boa vontade de cooperar com a FATF, pediu para que as medidas fossem retiradas, discutiu as mudanças que seriam necessárias para se adequar às regras da organização e postulou a entrada no Grupo sobre Lavagem de Dinheiro da Ásia-Pacífico. No entanto, sua integração foi rejeitada.

A aviação civil e as finanças são setores sobre os quais o Painel de Especialistas apresentou argumentos e informações muito frágeis para justificar sua inclusão na lista de sanções. Eles são fundamentais para a obtenção de recursos econômicos. Os embargos impostos a esses e a outros setores afetam diretamente a população civil da RPDC. O Painel, contudo, revelou-se intransigente na manutenção de suas explicações, afirmando que as medidas impostas pelas sanções dificilmente podem ser culpadas pelos danos humanitários. Seu relatório informou que a delegação russa chamou a atenção para o fato de que embaixadas e ONGs internacionais com escritórios na RPDC estavam enfrentando problemas resultantes do "impacto não intencional do regime de sanções", embora não tenha feito nenhum comentário sobre isso.

Referências

[1] "Letter dated 28 March 2013 from the Secretary-General addressed to the President of the Security Council". United Nations Security Council (S/2013/199), 28 de março de 2013. Disponível em: s_2013_199.pdf. Acesso em 13 de novembro de 2024.

[2] CURRICULUM VITAE. Lee Jang-keun. Ministry of Foreign Affairs, Republic of Korea. Disponível em: 202411. Acesso em 13 de novembro de 2024.

[3] Martin Uden. LinkedIn. Experience. Disponível em:  linkedin.com. Acesso em 13 de novembro de 2024.

[4] "Report of the Panel of Experts established pursuant to resolution 1874 (2009)". United Nations Security Council (S/2013/337), 11 de junho de 2013. Disponível em: s_2013_337.pdf. Acesso em 20 de novembro de 2024.

[5] "Letter dated 21 June 2013 from the Secretary-General addressed to the President of the Security Council". United Nations Security Council (S/2013/369), 21 de junho de 2013. Disponível em: s_2013_369.pdf. Acesso em 25 de novembro de 2024.

[6] Neil Watts. LinkedIn. Disponível em:  linkedin.com. Acesso em: 25 de novembro de 2024.

[7] Neil Watts. CCSi. Disponível em:  ccsi.global. Acesso em 25 de novembro de 2024. A Korea Society é uma instituição fundada pouco após a Guerra da Coreia por ex-militares americanos que participaram daquela invasão e da destruição da Coreia. É voltada para aprimorar as relações entre EUA e Coreia do Sul, bem como para combater o regime da RPDC. Apesar de se considerar um órgão independente, é dirigido por ex-funcionários do governo norte-americano. Também recebe financiamento das maiores empresas sul-coreanas, como Samsung, Hyundai e LG, tal como do consulado da Coreia do Sul em Nova Iorque (ver 2022-2023 Supporters. Korea Society. In:  koreasociety.org)

[8] "Implementation Assistance Notice No. 4: Proper implementation of paragraph 22 of resolution 2094 (2013)". Security Council Committee established pursuant to resolution 1718 (2006), 7 de fevereiro de 2014. Disponível em: implementation_assistance_notice_4.pdf. Acesso em 25 de novembro de 2024.

[9] "Report of the Panel of Experts established pursuant to resolution 1874 (2009)". United Nations Security Council (S/2014/147), 6 de março de 2014, p.51. Disponível em: s_2014_147.pdf

[10] Martin, Hugo. "North Korea's Air Koryo named the worst airline in the world again". Los Angeles Times, 13 de agosto de 2016. Disponível em:  latimes.com. Acesso em 12 de dezembro de 2024.

[11] "Air Koryo EXPLAINED |North Korea's State Airline". DPRK Explained, 7 de dezembro de 2020, 6 min. Disponível em: youtube . Acesso em 12 de dezembro de 2024.

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