11/11/2025 strategic-culture.su  5min 🇸🇹 #295982

A 30 anos do Acordo de Dayton: As origens da guerra da Iugoslávia

Eduardo Vasco

Como todas as guerras modernas, os conflitos que explodiram nos Bálcãs no final do século XX foram motivados essencialmente por questões econômicas.

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Como todas as guerras modernas, os conflitos que explodiram nos Bálcãs no final do século XX foram motivados essencialmente por questões econômicas. E também por questões econômicas eles foram suspensos (pois não foram totalmente resolvidos). O Acordo de Dayton, que completa 30 anos no próximo dia 21 de novembro, selou o domínio imperialista sobre a Bósnia e, junto com os bombardeios da OTAN e a posterior revolução colorida na Sérvia, simbolizou a captura de uma importante fatia da Europa para a colonização neoliberal.

A partir da década de 1970, a República Socialista Federativa da Iugoslávia, unificada ao final da 2ª Guerra Mundial sob a liderança do marechal Josip Broz Tito, viveu uma crise econômica que durou até os últimos dias da existência do país. Durante o governo de Tito (1945-1980), a Iugoslávia era uma federação que reunia seis repúblicas (Sérvia, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro e Bósnia e Herzegovina) e duas províncias autônomas (Kosovo e Vojvodina), todas com grandes poderes autônomos. As diversas etnias que habitavam o país gozavam de igualdade de direitos e representação política garantidos pelo sistema iugoslavo. Segundo dados de 1990, a divisão das etnias na Iugoslávia era a seguinte: sérvios (36,3%), croatas (19,7%), muçulmanos (8,9%) eslovenos (7,8%), albaneses (7,7%), macedônios (5,9%), montenegrinos (2,5%) e húngaros (1,9%).

Quando o sistema começou a ruir, influenciado pelo desmoronamento dos regimes stalinistas nos outros países da Europa Oriental, a relativa harmonia experimentada pela Iugoslávia durante 40 anos sofreu sérias mudanças, cujo desfecho seria o banho de sangue das guerras nos anos 1990. "As dificuldades se manifestavam em crises de endividamento, inflação elevada e um desemprego estrutural" (José Lindgren Alves, Os novos Bálcãs), que não cessaram com a morte de Tito, em 1980, mas foram a raiz das radicalizações políticas e étnicas do final desta década.

A crise na Iugoslávia e em todo o Leste Europeu foi um reflexo do esgotamento do relativo desenvolvimento capitalista do pós-II Guerra, explicitado por 1968, a crise do petróleo e a derrota americana no Vietnã. Revoluções nos países coloniais e oprimidos eclodiram e desestabilizaram ainda mais o sistema imperialista. A resposta natural a esse desmoronamento era a intensificação da exploração das nações do mundo inteiro com o novo regime neoliberal. O imperialismo aproveitou a crise dos regimes do Leste Europeu, em decorrência da insustentabilidade da "coexistência pacífica" entre Estados operários e o capital imperialista, e conseguiu converter o caos social explosivo e revolucionário em contrarrevolução: a burocracia stalinista foi totalmente integrada como nova governante naqueles países, já sem os entraves da coletivização da economia, o aparato estatal foi desmontado e o capitalismo foi restaurado agora sobre a base neoliberal.

Essa situação foi facilitada na Iugoslávia pela morte do líder da revolução de 1945 e o início da disputa encarniçada pelo governo. Como Tito foi o responsável pela união e a integração iugoslava desde o final da 2ª Guerra, temia-se que sem sua liderança o país começasse a ter problemas internos. Um relatório da CIA de 12 de outubro de 1961 já previa que "a estabilidade do regime" estaria em "perigo" após a morte do marechal, porque ele não teria nenhum sucessor à altura e porque os "problemas adormecidos de nacionalidade poderiam surgir em um interregno".

As tensões entre as diferentes etnias da região não foram originadas nessa época, mas datam de séculos atrás. Mas como costuma ocorrer em qualquer lugar do planeta, os ânimos se acirram quando as condições concretas de vida da maior parte da população pioram. Algo semelhante, mas que não tomou as mesmas proporções, foi visto ainda antes da criação da Iugoslávia Socialista, quando o país ainda se encontrava sob domínio monárquico, antes da 2ª Guerra Mundial.

Para Lindgren Alves, as condições econômicas miseráveis da maior parte das populações dos Bálcãs no período entreguerras foram um fator decisivo para que o fanatismo e a manipulação política "prosperassem como sempre apontando no 'outro', no 'estrangeiro', no 'diferente', a causa das dificuldades".

Durante a ocupação nazista da Iugoslávia, a partir de 1941, ganhou força uma milícia croata que colaborou estreitamente com o III Reich para erradicar os sérvios de "seu" Estado, a Croácia, por eles proclamada independente do Reino da Iugoslávia, anexando a Bósnia e Herzegovina. Eram os ustashe, criados na Itália fascista por croatas que queriam a independência do país. Essa milícia croata nazista perpetrou gigantescos massacres contra os sérvios nesse período, com número de mortos que pode chegar a 800 mil.

Massacres que voltaram a ocorrer 50 anos depois, tanto por parte de croatas como também de sérvios e bósnios muçulmanos. Os ustashe foram relembrados pelos rivais para denominar os croatas que combateram nos anos 1990, assim como os sérvios foram chamados de tchetniks, guerrilheiros monarquistas e ortodoxos originados no início do século XX e que lutaram contra os ustashe e contra os partisans.

Os croatas, assim como os eslovenos, "sempre se consideraram ocidentais e distintos dos demais povos balcânicos" (ALVES, 2013, pp. 10-11), principalmente por estarem localizados na parte mais ao oeste dessa região, e serem predominantemente católicos, enquanto que a maioria dos sérvios é ortodoxa e a dos bósnios é muçulmana. A renda per capita dessas repúblicas também estava acima da média nacional e essa desigualdade aumentou no final dos anos 1980 por causa da crise que assolou o país. Enquanto eslovenos recebiam em média U$ 12.600 por ano e croatas U$ 7.176, a média na Iugoslávia era de U$ 5.000 e no Kosovo essa cifra não passava dos U$ 1.500.

No próximo artigo, veremos como a crise econômica e social levou a uma crise política, na qual os trabalhadores - desorganizados por décadas de controle pela burocracia estatal - foram mergulhados por grupos oportunistas de nacionalistas e fascistas em uma guerra civil por todos os Bálcãs, alimentada pelo imperialismo alemão e norte-americano para limpar o terreno e utilizar a Iugoslávia como uma região onde o neoliberalismo ajudaria a salvar o capitalismo em crise. Isso, à custa da vida de milhões de pessoas inocentes.

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