13/12/2025 strategic-culture.su  7min 🇸🇹 #298905

2026 definirá os rumos da direita, mas o bolsonarismo já tem o seu candidato

Bruna Frascolla

No frigir dos ovos, a candidatura de Flávio Bolsonaro pôs a nu o fato de que o "centro democrático" só clama por "união da direita" quando é em torno de sua candidatura.

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Desde a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, a direita tem vivido um impasse: de um lado, a Faria Lima quer que Bolsonaro apoie o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas; de outro, Bolsonaro não quer entregar o espólio. Por que o setor financeiro quer tanto assim Tarcísio ? Porque ele tem uma agenda de privatizações e de um governo que priorize o corte de gastos. Essa não é uma agenda popular: a nova concessionária de energia elétrica, a Enel, era uma estatal italiana, hoje de capital misto, tem deixado São Paulo no escuro quando dá uma chuva ou uma ventania mais forte. Os paulistas também têm se queixado da falta de segurança pública e os policiais têm visto que as promessas de melhorias para a categoria não serão cumpridas.

Mesmo assim, Tarcísio era incensado pela imprensa como o melhor nome para vencer Lula, porque atrairia o eleitor "moderado". Por isso, não deixava de pairar uma ameaça sobre Bolsonaro: ou ele indica Tarcísio, que lhe dará um indulto (que pode ser considerado inconstitucional), ou Lula ganhará e ele apodrecerá na cadeia. Mas por que se fazia tanta questão da indicação de Bolsonaro ? Por três razões: a primeira, porque ele e Lula são os dois maiores puxadores de voto do país. A segunda, que os candidatos do autoproclamado "centro democrático", ou "centro-direita", mal chegam a 10% dos votos no primeiro turno. A última, que Tarcísio não era ninguém na política eleitoral antes de Bolsonaro o indicar para o governo de São Paulo - e traição pega mal. Não por acaso, o governador anterior de São Paulo era outro privatizador que se elegeu com o apoio de Bolsonaro mas em 2022 decidiu enfrentá-lo na presidência. Sua carreira política acabou aí.

Nessa história toda, há um grande complicador do lado bolsonarista: Bolsonaro é desorganizado e, mesmo tendo chegado à presidência, não conseguiu montar um partido político. Assim, as indicações têm que ser aceitas pela liderança partidária, que vive às turras com Bolsonaro. E porque o partido quer Bolsonaro ? Porque ele é um puxador de votos e isso tem impacto no financiamento dos partidos, que, no Brasil, é público.

Para não entregar o espólio, Bolsonaro teria que indicar alguém com o seu sobrenome. Preenchem esse requisito os seus três filhos com experiência política - o Senador Flávio, o Deputado Eduardo e o Vereador Carlos - e a esposa Michelle, que não tem experiência política, mas é bonita, carismática, jovem (43 anos, como Carlos) e evangélica. Esta último ponto é importante porque a direita evangélica é cobiçada por qualquer candidatura de direita que queira triunfar sobre as demais. Michelle é amiga e aliada de um dos maiores tele-evangelistas do Brasil, Silas Malafaia. Os filhos de Bolsonaro não confiam na madrasta, e as rusgas entre ela e o caçula foram fartamente cobertos pela imprensa.

Para saber bastidores do bolsonarismo, o recomendável é acompanhar o programa do Youtube do jornalista Kim Paim, que é próximo dos filhos de Bolsonaro. Por ali vemos que os conflitos entre Bolsonaro & filhos contra a liderança partidária são inúmeros, e incluía o pouco dinheiro gasto com Jair e Eduardo. Por outro lado, a ala feminina do partido estava gastando os tubos com Michelle. Quando o marido foi preso, por exemplo, ela estava no interior do Ceará em evento partidário.

Ora, faz perfeito sentido um partido gastar dinheiro em uma figura feminina carismática. Graças a uma imposição do Supremo Tribunal Federal (sempre ele), os partidos estão obrigados a gastar uma quota dinheiro com mulheres candidatas. Isso obriga os partidos a correrem atrás de mulheres para se candidatar, para que não sejam pegos depois acusados de crime eleitoral. Por isso, Michelle é um ótimo recurso partidário. Assim, é de admirar que o partido trate com descaso Jair e Eduardo, mesmo recebendo tanta dedicação de Michelle.

Nas últimas semanas, o cenário que vinha se desenhando era Tarcísio presidente e Michelle vice - ainda que ninguém importante falasse isso abertamente, e ainda que Tarcísio jurasse de pés juntos que não era candidato a presidente (enquanto postava vídeos dizendo que o Brasil precisa de um novo CEO). No entanto, foi lá no Ceará que Michelle fez uma lambança que serviu para que o bolsonarismo finalmente se organizasse. A semana começou com uma briga e terminou com anúncio da candidatura de Flávio Bolsonaro (o senador).

Vejamos só mais um complicador: o olavismo. Existe no Brasil um movimento em torno de Olavo de Carvalho, um pseudofilósofo que, a rigor, era um propagandista neocon. Vocês podem ver aqui o secretário dele, Sílvio Grimaldo, dizendo que ele recebeu um prêmio no Pentágono por serviços prestados. Eduardo Bolsonaro era um seguidor desse pseudofilósofo - e não é à toa que ele se tornou uma espécie de María Corina do Brasil, pois só falta pedir para que Netanyahu nos bombardeie. Pois bem: Eduardo é um caso à parte, porque além de olavista, ele é filho de Bolsonaro. Grimaldo integrou o governo Bolsonaro, mas saiu dele sem agradecimentos; virou um opositor dedicado. Assim, o olavismo organizado, que é liderado por Grimaldo, estava se empenhando em destruir a candidatura de Carlos ao Senado em Santa Catarina, desfazendo acordos já estabelecidos pelo próprio Jair antes e ir preso. O movimento agradava as lideranças partidárias em Santa Catarina, que estavam interessadas em usar uma vaga de senador como moeda de troca com outro partido.

O mesmo movimento estava acontecendo no Ceará: desfazer os acordos locais criados com o consentimento de Bolsonaro para enfraquecer o bolsonarismo. No caso do Ceará, o acordo era pragmático demais para a militância ideológica: firmar uma aliança antipetista com Ciro Gomes, que se considera de esquerda. Pois Michelle, que já vinha manifestando simpatia pelos insurretos de Santa Catarina, subiu no palanque e recriminou publicamente o principal bolsonarista do PL cearense, André Fernandes, por se aliar a Ciro Gomes - como se ele estivesse fazendo isso pelas costas de Bolsonaro e fosse um traidor. No entanto, ao contrário dos caras em Santa Catarina, ela não traiu só Bolsonaro, mas também o partido.

Por que ela fez isso ? Pelos desenvolvimentos posteriores, podemos inferir que há mesmo uma aliança neocon privatista contra Bolsonaro (evangélicos sionistas, liberais do mercado financeiro e olavistas) - o que é uma tremenda ironia, porque essas correntes eram centrais no bolsonarismo. Uma razão mais prosaica pode ser um erro de cálculo e uma ignorância do Nordeste. É capaz de terem comparado a votação de Bolsonaro à de Ciro para a presidência em 2022 e inferido que o bolsonarismo não precisava de Ciro no Ceará. A soberba alimenta a ignorância: no Nordeste, uma região agrária, toda eleição grande precisa do apoio de coronéis. O bolsonarismo só tem espaço nas áreas urbanas do Nordeste, que são minoritárias. O próprio pivô do escândalo no Ceará, o Senador Girão, que é do partido do mercado financeiro (o NOVO) foi eleito com o apoio de Ciro Gomes, que queria impedir um inimigo de chegar ao Senado.

Pois bem: depois do acontecido, Bolsonaro mandou Michelle não entrar em conflito com os filhos e avalizou o nome de Flávio para a presidência. O líder do partido reconheceu. Michelle reconheceu - só quem não se manifestou até o presente momento foi Tarcísio.

A imprensa entrou em polvorosa, dizendo que a candidatura de Flávio não era séria e ele só estava querendo negociar. Flávio então fez o anúncio, no dia 7 de dezembro, de que ele tinha um preço, e diria o preço no dia seguinte. No entanto, ele não se conteve e contou no mesmo dia qual era o preço para ele retirar a candidatura: a Lei da Anistia, com a qual o pai dele ficaria livre para ser o candidato.

No frigir dos ovos, a candidatura de Flávio Bolsonaro pôs a nu o fato de que o "centro democrático" só clama por "união da direita" quando é em torno de sua candidatura. Resta saber 1) como serão as feições desse novo bolsonarismo odiado por lideranças evangélicas, olavistas e liberais, e 2) qual a capacidade eleitoral dessas mesmas lideranças sem Bolsonaro.

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